«Em vez de apostar no diagnóstico, apostemos na esperança e na cura do doente»

José Pio Abreu, no 7.º Encontro de Psiquiatria e Saúde Mental do CHL
 
José Pio Abreu, médico psiquiatra, autor do mais famoso livro de psiquiatria dos últimos anos, “Como tornar-se doente mental”, participou no 7.º Encontro de Psiquiatria e Saúde Mental do Centro Hospital de Leiria (CHL), e incentivou a que «em vez de apostar no diagnóstico, apostemos na esperança e na cura». Neste encontro, que decorreu a 1 de abril, no Hospital de Santo André, sob o mote “Prevenir em saúde (também) mental”, o professor catedrático de psiquiatria jubilado da Universidade de Coimbra destacou o papel do profissional na prevenção da patologia, pela “não previsão” do risco de patologia, olhando as pessoas além do diagnóstico.
Pio Abreu pergunta “qual é o ponto de não retorno, qual é o ponto em que se entra na doença? Quando é que crenças e superstições passam a delírio? Quando é que a instabilidade passa a esquizofrenia? Quando é que impulsividade passa a psicopatia, a insegurança a transtornos ansiosos, e a desconfiança a paranoia?”. Destacando o papel das equipas que atuam em psiquiatria e saúde mental na prevenção destas patologias, para que não sejam “profecias autorrealizáveis”, ou seja, “por se prever que poderão ocorrer, irão mesmo ocorrer”, José Pio Abreu incentivou os profissionais a trabalhar mais na prevenção, a olhar o doente de outra forma, a compreender as pessoas além do diagnóstico.
O painel dedicado ao “Corpo são, mente sã” reuniu uma mesa de especialistas para falar da importância da nutrição na prevenção e no tratamento das doenças mentais. Diogo Fartaria, enfermeiro no CHL e docente do departamento de motricidade humana e linguagens artísticas do Politécnico de Leiria, apresentou o projeto do Serviço de Psiquiatria e Saúde Mental do CHL, que introduziu períodos de dança e exercício físico juntos dos utentes internados. “Psicomotricidade é saúde mental” foi o mote para uma conversa que destacou o desporto e a atividade física como estímulo à melhoria em saúde mental, contribuindo para a diminuição da ansiedade e depressão, e efeitos positivos no humor, autoestima e função cognitiva, além de ajudar à inclusão social destes pacientes, que normalmente se isolam.
Carlos Portugal-Nunes, nutricionista e investigador do Instituto de Investigação Ciências Vida e Saúde de Braga, falou da relação direta entre a dieta e a saúde mental, tanto em termos de prevenção, como no tratamento de patologias adquiridas. O investigador lamentou que reconhecendo já a OMS o efeito positivo da alimentação na saúde mental (e também cardiovascular, entre outras), não haja para já uma estratégia de implementação da nutrição na prevenção e melhoria em psiquiatria.
Joana Melim e Ana Batista, internas de psiquiatria no CHL, falaram sobre “ortorexia e vigorexia: diagnóstico ou tendência?”. A vigorexia ou perturbação dismórfica muscular é a obsessão por um corpo musculado, é “o culto do corpo”, que afeta sobretudo homens jovens. “Esta insatisfação mantém-se mesmo depois das pessoas já terem um corpo robusto e musculado, pois continuam a ver-se como franzinas”, explica Joana Melim, dizendo ainda que este transtorno se caracteriza pelo “abandono e negligência de outros aspetos da vida em função da continuidade da obsessão, como a vida social ou laboral. Há ainda uma ansiedade muito grande relacionada com a condição muscular e com a imagem”. Estima-se que cerca de 100 mil pessoas em todo o mundo sofram de vigorexia, embora a psiquiatra considere que este número peca por defeito.
Ana Batista definiu a ortorexia como a obsessão por uma alimentação saudável. “São pessoas que selecionam muito os alimentos, que se preocupam muito com a sua qualidade, e que passam grande parte do seu dia a pensar em comida, em como a vão preparar, onde a vão comprar, como a vão comer, etc. Penalizam-se de cada vez que cometem um “erro”, como comer uma quantidade ínfima de um alimento com açúcar ou gordura”. A psiquiatra explica ainda que “estas pessoas não comem nenhum alimento com corantes, conservantes, tratados com pesticidas, ou que cuja proveniência e preparação não controlem, é uma condição que leva ao isolamento social, além de ser muito restritivo, levando à má nutrição. Estes doentes sentem-se ainda superiores aos outros por terem um controlo tão grande sobre a sua dieta, e por conseguirem levá-la em frente”.
Ambas as profissionais concordam que estes transtornos são a tendência, embora estejam para já mal definidos. “É difícil definir estas perturbações, porque o que é que podemos considerar ginásio a mais? Qual é que é o limite?”, questiona Joana Melim, adiantado que é uma classificação diagnóstica difícil. Ana Batista considerou também que essa dificuldade se prende com a classificação das doenças: “é uma nova doença, ou é um subtipo da anorexia nervosa? São adições ou pertencem ao expecto das obsessivo-compulsivas?”.
As profissionais concordaram que o painel se focou em dois lados opostos da mesma moeda: se por um lado o exercício físico e a dieta afetam positivamente a saúde mental, em excesso também a prejudicam. “O importante é prevenir e combater a cultura do corpo e a obsessão pelo extremamente saudável”, rematou Ana Batista.
O burnout foi primeiro tema do painel da tarde. A síndrome de burnout caracteriza-se por um estado de exaustão física emocional ou mental devido ao stresse no trabalho. Ana Fonseca e Ana Poças, médicas internas no Serviço de Psiquiatria do CHL apresentaram algumas hipóteses e soluções para combater esta patologia que frequentemente aflige profissionais de saúde. O papel do enfermeiro na prevenção em saúde mental foi outro dos tópicos discutidos.
Ana Barros, médica de Medicina Geral e Familiar, coordenadora da USF Cidade do Liz, abordou a necessária integração de cuidados entre as unidades de saúde primárias e o médico de família, e o psiquiatra. Paula Carvalho, psiquiatra e membro do Colégio Especialidade Psiquiatria da Ordem dos Médicos, dedicou a sua apresentação às políticas de saúde mental, nomeadamente no que toca à prevenção.
Diamantino Santos, da direção regional do Centro da Ordem dos Psicólogos Portugueses traçou o perfil da realidade da região no que toca à psicologia. A região Centro conta com cerca de 2.800 psicólogos, a maioria (cerca de 50% do total de profissionais) a exercer psicologia clínica, seguindo-se cerca de 30% em psicologia educacional. Diamantino Santos destacou a assimetria na distribuição desde profissionais no SNS, o que, a considerar o aconselhado internacionalmente, de haver um rácio conservador de um psicólogo para cada 5.000 pessoas, revela um défice de psicólogos em todas as regiões do País.
Para o vogal da direção regional da Ordem dos Psicólogos, a carência nestes profissionais interfere nas respostas no âmbito da saúde mental psicológica por parte do SNS, ao nível da prevenção e da intervenção, interferindo também nas respostas dos agrupamentos escolares aos seus alunos. Além disso saem também debilitadas as respostas na saúde ocupacional, do trabalho e das organizações, e as respostas ao nível da saúde mental forense.
O 7.º Encontro de Psiquiatria e Saúde Mental do Centro Hospital de Leiria reuniu no passado dia 1 de abril uma centena de especialistas de todo o país para debater a prevenção em saúde mental.
Leiria, 4 de abril de 2016

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