«A investigação de qualidade pode mudar o paradigma da medicina em Portugal»

Lino Gonçalves, no ciclo de conferências do Centro de Investigação do CHL

Lino Gonçalves considera que «a investigação de qualidade pode mudar o paradigma da medicina em Portugal». O professor catedrático na Faculdade de Medicina na Universidade de Coimbra, e diretor do Serviço de Cardiologia do Centro Hospitalar Universitário de Coimbra, falava como orador convidado da conferência do ciclo que o Centro de Investigação do Centro Hospitalar de Leiria dinamizou no dia 3 de novembro, sobre “Registos clínicos – o mundo real da investigação médica”.
 
O convidado apresentou a sua experiência no âmbito do Centro Nacional de Coleção de Dados em Cardiologia, que há 14 anos faz o registo contínuo de dados em pacientes cardíacos, e considerou que «os registos são uma mais-valia fantástica, porque mostram novas necessidades, permitem avaliar benefícios terapêuticos, detetar efeitos secundários, avaliar custos e a qualidade do desempenho, e permite ter uma visão mais longa dos padrões terapêuticos, assim como comparar valores e informar as pessoas e as instituições dos seus desvios em relação à média nacional». 
 
Para Lino Gonçalves, os registos funcionam como «instrumentos de medição para avaliar a performance dos clínicos e das instituições, e, por refletirem o mundo real, permitem avaliar até que ponto os ensaios clínicos podem ser transferidos para a população real (que não é selecionada)». «Ter dados concretos das populações reais é um poder de análise e estatístico muito grande, é extremamente valioso em termos científicos. Registos clínicos são seguramente fundamentais na investigação biomédica atual», concluiu. Opinião partilhada por João Morais, diretor do Serviço de Cardiologia do Centro Hospitalar de Leiria e coordenador do Centro de Investigação do CHL: «a big data tem uma dimensão importantíssima em saúde nomeadamente na investigação». 
 
Com recurso a registos em saúde é possível determinar características dos pacientes, prevalência de patologias, tratamentos aplicados, entre muitos outros parâmetros, explicou Lino Gonçalves. «Podemos dar resposta a muitas questões que levantamos, por exemplo nos ensaios clínicos, ou podemos encontrar associações e daí criar hipóteses que depois vamos investigar em ensaios clínicos». Para Lino Gonçalves ambas as ferramentas, registos e ensaios clínicos, «são claramente complementares». «Sem registos clínicos não é possível avaliar a qualidade dos cuidados prestados e melhorar, não é possível adequar as orientações clinicas», acrescentou ainda o especialista.
 
Mas para haver investigação, tem de haver condições: «os jovens investigadores que estamos a formar agora, a dotar ao mais alto nível podem vir a mudar a qualidade do panorama nacional», defendeu o professor, que é também codiretor do Programa da Harvard Medical School em Portugal, alertando ainda para a necessidade urgente de haver tempo protegido para os clínicos fazerem investigação, que considera ser essencial. Para João Morais «a investigação tem de ser mais valorizada também a nível curricular, para que os jovens clínicos tenham interesse em questionar-se e em procurar respostas, para que o esforço seja devidamente recompensado e estimulante».
 
A este nível, «a figura do médico cientista já está prevista na lei, mas sem efeitos práticos», destacou Lino Gonçalves, «é preciso ultrapassar isto e colocar os jovens brilhantes que estamos a formar a trabalhar cá, sob pena de saírem do país mais tarde», e se perder todo o investimento na sua formação e se atrasar ainda mais a revolução na saúde.

Leiria, 4 de novembro de 2016