Intrusões e rituais

Na última rubrica vimos três termos usados, por vezes, de forma errada: paranoia, mania e obsessão. Na coluna deste mês vamos focar-nos nas obsessões e juntar-lhes mais uma palavra – compulsão. Sim, já percebeu: a junção das duas palavras está na base de uma perturbação mental que, não sendo das mais frequentes, pode ser muito debilitante: a perturbação obsessivo-compulsiva (POC).
 
Relembremos o que se entende por “obsessão”. Cai-se na tentação de se pensar em “fixação”… “fascínio”… “vício”, até! Mas não, obsessão é outra coisa. Uma obsessão é uma ideia intrusiva (surge contra a vontade) e que é considerada inapropriada, incómoda ou simplesmente errada pela pessoa. As obsessões causam uma grande angústia e mal-estar, já que a pessoa vê a sua mente “invadida” por ideias desagradáveis e das quais não se consegue livrar. Todos temos estas ideias intrusivas de vez em quando, contudo uma obsessão surge na mente com grande intensidade, clareza, frequência e sofrimento. Na POC, a pessoa simplesmente não consegue evitar que as obsessões surjam e causem angústia.
 
Ora, se tentar não pensar em algo nos leva precisamente a pensar nisso, e se esses pensamentos nos causam angústia, o que fazer? Uma solução pode ser a de desenvolver comportamentos que, ao serem executados de forma minuciosa, repetitiva e exaustiva, aliviem essa angústia. E eis que temos o nosso segundo termo da POC: as compulsões. Compulsões são, pois, comportamentos ou rituais que a pessoa executa com o objectivo de aliviar a ansiedade ou sofrimento causados pelas obsessões. Note-se que nada disto é consciente, na medida em que a pessoa não escolhe deliberadamente desenvolver uma compulsão: os mecanismos mentais escapam à nossa impressão fugaz de que entendemos a nossa própria mente.
 
Na mente, o que produz efeitos rápidos também se esgota depressa. Acontece que as compulsões colocam mais problemas do que soluções: aliviam a ansiedade das obsessões apenas temporariamente. Quando as obsessões regressam, a angústia regressa com elas, mas pior. Então as compulsões têm de repetir-se mais e mais e mais… Cada vez ocupam mais tempo, tornam-se mais complexas e mais difíceis de controlar. Tudo isto sem nunca aplacarem as terríveis obsessões. Mais tarde ou mais cedo, esta espiral faz com que o indivíduo se torne disfuncional, com prejuízo da sua vida íntima, profissional e social. Verificar centenas de vezes se fechou a porta para apaziguar a ideia de que poderá sofrer um assalto não ajuda…
 
O que fazer então? A mente, deixada a si mesma, emaranha-se como um novelo... A resposta é sempre a mesma: procure ajuda profissional. Entre a psicoterapia – com preferência a cognitivo-comportamental – e a psiquiatria pode encontrar um auxílio precioso que o ajude a libertar-se da teia complicada que é a POC.
 
Não quer pensar muito nisto? Bom, basta não pensar no que acabou de ler.

 
Daniel Rodrigues Machado
Interno de Psiquiatria do Centro Hospitalar de Leiria
 
(Rubrica “Falemos de Saúde Mental”, publicada mensalmente no Diário de Leiria)