«Cuidar implica despojamento»

Maria Elisa, no Colóquio de Enf. em Saúde Materna e Obstétrica do CHLP

«Cuidar implica despojamento», partilhou Maria Elisa Domingues, jornalista e convidada no 5.º Colóquio de Enfermagem em Saúde Materna e Obstétrica do CHLP. Autora do livro “Amar e Cuidar”, em que relata a sua experiência enquanto cuidadora da mãe, doente com cancro, e falou precisamente dessa “função”, a de familiar que presta cuidados em fim de vida, a uma planeia completa com profissionais de saúde.

Hélder Roque, presidente do Conselho de Administração do CHLP, defende que «este encontro foi muito importante para os profissionais, não só pelo debate entre pares, mas também porque pudemos ter a perceção, a sensibilidade do outro lado, do doente e do cuidador. São duas vivências muito diferentes, muito marcantes e que dependem muito também do acompanhamento e disponibilidade do profissional de saúde. Quanto mais coesa for esta relação, melhor vai ser a vivência destas etapas, com menos stresse e mais apoio, também a nível emocional, como aqui vimos». «Cuidar não é só aplicar tratamento, é dar a mão, ouvir, confortar, por vezes apenas sorrir já é suficiente para atenuar o sofrimento», defende.

Maria Elisa abordou algumas das dificuldades dos cuidadores: de ordem emocional, profissional, social, material e física. «Quando somos cuidadores não há uma equipa a quem recorrer, somos nós a equipa, a pessoa toma decisões sozinha», referiu, defendendo ainda que «o cancro é uma doença de família». Relativamente às dificuldades emocionais, a jornalista explicou o que sente o cuidador, o filho, ao ver o familiar doente, a mãe, cada vez mais debilitado. «É a nossa mãe mas já não é a nossa mãe, é cada vez menos a pessoa amada».

As dificuldades emocionais, conforme disse, não são apenas do cuidador, são também da pessoa doente, e de toda a família. Nesse sentido, não se pode alimentar tensões familiares, «o justo é relativizado», a bem do doente, «a prioridade passa a ser o doente». Porém, as dificuldades profissionais são as que se perpetuam: «Quando se decide cuidar de uma pessoa, abdica-se de tudo», disse Maria Elisa. «Até a atitude mental muda quando se cuida de uma pessoa, ser cuidador implica despojamento», para nos encontrarmos com o doente «no terreno dos afetos», «um amor pouco dependente de palavras». «Essa capacidade de despojamento de se assumir como mais vulneráveis, torna-nos melhores pessoas, mas perdemos em termos profissionais, são caminhos quase opostos».

Ainda sobre a opção de ser cuidadora de um familiar, de assumir esse compromisso, Maria Elisa defende que «tomar a atitude de ser cuidador obriga a abdicar, e isso tem consequências, e não se pode fazer essas escolhas em todas as fases da vida», esclarecendo que nem todas as pessoas têm a mesma possibilidade, de poder tomar a seu cargo uma pessoa doente.

Uma outra questão sentida pela cuidadora Maria Elisa, foi a das dificuldades a nível social, o “desaparecimento” dos amigos. «O cuidador também precisa de coisas, e os amigos ajudam o cuidador a ter algum tempo para si próprio». No que toca às dificuldades materiais, os rendimentos são o maior problema.

Além disso, em termos pessoais, o cuidador é acompanhado pela equipa médica, de psicólogos, assistentes sociais, etc., ate à morte do ente querido, mas «a vivência do luto do cuidador prolonga-se muito além da morte do ser querido». «Falta a pessoa com quem se criou um elo de cumplicidade muito grande, assim como os ajustamentos profissionais e materiais que se fizeram. Isto leva todos os recursos que se tem», e nesta altura, por vezes, «a porta dos profissionais de saúde fecha-se, depois que a pessoa morre. Há que acompanhar. Ser cuidador é muito difícil, ser cuidador sobrevivente é ainda pior», defendeu.

Leiria, 18 de março de 2013